Discursos

Churchill é conhecido por ser o autor de alguns dos discursos mais conhecidos do mundo.

Winston Churchill discursando durante a Segunda Guerra Mundial; International Churchill Society

Discursos

Discurso de 26 de dezembro de 1941
Sessão Conjunta do Congresso

Sinto-me honrado que vocês tenham me convidado a entrar na sala do Senado dos Estados Unidos e discursar para os membros de ambas as câmaras do Congresso. O fato de que meus antepassados americanos participaram, durante tantas gerações, da vida dos Estados Unidos e de aqui estou, eu, um inglês, sendo bem-vindo em seu meio, faz desta experiência uma das mais emocionantes e sensacionais em minha vida que já é longa e não tem sido monótona. Gostaria realmente que minha mãe, cuja memória guardo no coração pelo passar dos anos, pudesse estar aqui para ver.

A propósito, não posso deixar de registrar que se meu pai fosse americano e minha mãe britânica, em vez do contrário, eu poderia estar aqui por minha conta. Neste caso, esta não seria a primeira vez que vocês ouviriam a minha voz. Neste caso, eu não precisaria de um convite mas, se tivesse, é pouco provável que fosse unânime. Assim, talvez, as coisas estejam melhores como estão. Tenho de confessar, porém, que não me sinto um peixe fora d'água numa assembleia legislativa onde se fala inglês.

Sou um filho da Câmara dos Comuns. Fui criado na casa de meu pai para acreditar na democracia, Confie no povo esta era a sua mensagem. Eu costumava vê-lo encorajado em reuniões e nas ruas por multidões de trabalhadores 14 atrás naqueles dias aristocráticos vitorianos quando, como dizia Disraeli, o mundo era para os poucos e para os muito poucos. Por isso, estive em harmonia por toda a minha vida com as marés que têm circulado em ambos os lados do Atlântico, contra o privilégio e o monopólio - e venho atuando com confiança na direção do ideal de Gettysburg do governo do povo, pelo povo e para o povo.

Devo minha história inteiramente à Câmara dos Comuns, da qual sou servo. No meu país, como no de vocês, os homens públicos são orgulhosos de servir ao Estado e ficariam envergonhados em ser senhores do Estado. Um dia, se achassem que assim o povo desejasse, a Câmara dos Comuns poderia com um simples voto me retirar da posição que ocupo. Mas não me preocupo com isso de modo algum. De fato, estou certo que aprovarão minha jornada até aqui. para a qual obtive a permissão do rei, a m de me encontrar com o presidente dos Estados Unidos e organizar com ele todo o mapeamento dos nossos planos militares e também para todos aqueles encontros privados de altos oficiais das Forças Armadas de ambos os países. que são indispensáveis para o prosseguimento bem-sucedido da guerra.

Gostaria de dizer inicialmente como fiquei impressionado e encorajado pela amplitude das opiniões e pelo senso de realidade que encontrei aqui em todos os lugares onde tive acesso. Alguém que não compreendesse a força e a solidariedade das fundações dos Estados Unidos poderia facilmente encontrar aqui um clima egocêntrico de excitação e perturbação, com as mentes das pessoas fixas nestes episódios novos, assustadores e dolorosos da guerra repentina que atingiu a América. Afinal de contas, os Estados Unidos foram atacados e agredidos por três dos mais bem armados Estados ditatoriais. A maior potência militar da Europa e a maior potência militar da Ásia, Alemanha e Japão e a Itália também - todos declararam e estão em guerra contra vocês. Um conflito foi iniciado e só pode terminar com a queda deles ou de vocês.

Mas aqui em Washington, nestes dias memoráveis, encontrei uma fortaleza olímpica, a qual, longe de ter por base a complacência, é apenas a máscara de um objetivo inabalável e a prova de uma correta e bem-estabelecida confiança no resultado final. Nós na Grã-Bretanha tivemos o mesmo sentimento nos nossos dias mais sombrios. Também estávamos certos de que ao fim tudo ficaria bem. Vocês não subestimam. estou certo, a severidade da experiência a que vocês e nós ainda estamos sujeitos. As forças organizadas contra nós são enormes. Eles são amargos, eles são cruéis. Os homens diabólicos e as suas facções que jogaram povos no caminho da guerra e da conquista sabem que serão convocados para uma cobrança terrível se não puderem bater pela força das armas aqueles que atacaram. Não vão parar por nada. Eles têm um vasto acúmulo de armas de guerra, de todos os tipos. Têm exércitos, navios e serviços aéreos altamente treinados e disciplinados. Tem planos e desígnios que foram por muito tempo testados e maturados. Não vão parar por nada que a violência ou a traição possa sugerir.

É bem verdade que, do nosso lado, nossos recursos em mão de obra e materiais são maiores. Mas apenas uma porção destes recursos está por enquanto mobilizada e desenvolvida, os nossos países ainda têm muito o que aprender -e ambos na cruel arte da guerra. Temos, portanto, sem dúvida, um tempo de atribulações diante de nós. Neste tempo, algum terreno será perdido e será difícil e custoso ganhá-lo novamente. Muitos desapontamentos e surpresas desagradáveis nos esperam e nos afligirão, antes que a plena organização do nosso poder latente e total seja conseguida.

Durante a maior parte dos últimos 20 anos, foi ensinado à juventude da Grã-Bretanha e da América que a guerra é má, o que é verdade, e que nunca mais aconteceria, o que provou ser falso. Durante a maior parte dos últimos 20 anos, foi ensinado à juventude da Alemanha, do Japão e da Itália que a guerra agressiva é o dever mais nobre do cidadão e que deveria ser começada logo que houvesse as armas necessárias e que a organização tivesse sido completada. Nós executamos os deveres e as tarefas da paz. Eles conspiraram e planejaram a guerra. Isso naturalmente nos colocou, na Grã-Bretanha, e agora coloca vocês, nos Estados Unidos, em desvantagem, o que só poderá ser corrigido com o tempo, com a coragem e com esforços diligentes e incansáveis.

Nós temos de ser gratos pelo fato de que tanto tempo nos foi concedido. Se a Alemanha tivesse tentado invadir as ilhas britânicas após o colapso da França, em junho de 1940, e se o Japão tivesse declarado guerra ao Império Britânico e aos Estados Unidos mais ou menos na mesma data, ninguém poderia dizer que não iríamos enfrentar vários desastres e agonias.

Mas agora, ao fim de dezembro de 1941, nossa transformação de uma paz despreocupada para uma guerra total com  eficiência teve um amplo progresso. Um enorme fluxo de munições já teve início na Grã-Bretanha. Avanços imensos foram feitos na conversão da indústria americana a propósitos militares. Agora, como os Estados Unidos estão em guerra, é possível que as encomendas sejam feitas todos os dias, o que em um ano ou 18 meses irá produzir resultados em termos de poder de guerra muito além de qualquer coisa que já tenha sido vista ou prevista pelos estados ditadores.

Desde que todo o esforço seja feito, desde que nada seja paralisado, desde que toda a mão de obra, potencial intelectual, virilidade, todo o valor e a virtude cívica do mundo de língua inglesa, com a sua galáxia de comunidades e Estados associados, leais e amigos, desde que todos se entreguem de forma persistente à tarefa simples e suprema, acho que é razoável esperar que no fim de 1942 nos veremos definitivamente em uma situação melhor do que estamos agora -e que o ano de 1943 nos permitirá assumir a iniciativa de uma forma ampla.

Algumas pessoas podem ficar assustadas ou momentaneamente deprimidas quando, assim como o seu presidente, falo de uma guerra longa e difícil. Mas os nossos povos preferem saber a verdade, mesmo que seja triste. Afinal de contas, quando estamos fazendo o trabalho mais nobre do mundo, não só defendendo nossas famílias e casas, mas também a causa da liberdade em outras terras, encontra lugar nas grandes questões da história do homem e a liberdade virá em 1942, 1943 ou 1944. Estou certo que neste dia de hoje agora somos senhores de nosso destino, a tarefa que não foi preparada não está acima de nossas forças, e as dores e os esforços não vão além de nossa tolerância. Desde que tenhamos fé em nossa causa e uma força de vontade invencível, a salvação não nos será negada. Nas palavras dos Salmos: "Ele não terá medo das novidades ruins: pois seu coração está firme e confiante no Senhor".

Nem todas as novas serão ruins. Pelo contrário, ataques poderosos de guerra já foram feitos contra o inimigo. A gloriosa defesa da terra natal pelas tropas russas e pelo povo russo impôs feridas sobre a tirania e o sistema nazista, que corroeram profundamente e que irão apodrecer e in flamar não só o corpo como a mente nazista. O prepotente Mussolini já desmoronou. Ele não é agora senão um servo e lacaio, mero utensílio da vontade de seu senhor. Impôs grandes erros e sofrimento ao seu povo laborioso. Foi esvaziado de seu Império africano: a Abissínia foi libertada. Nossos exércitos no Oriente, que eram tão fracos e mal equipados no momento da deserção francesa, agora controlam todas as regiões de Teerã a Bengasi, e de Aleppo e Chipre às fontes do Nilo.

Por muitos meses, dedicamo-nos aos preparativos da ofensiva na Líbia. Uma batalha considerável- que vem prosseguindo pelas últimas seis semanas no deserto - tem sido lutada ferozmente de ambos os lados. Devido às dificuldades de distribuição de suprimentos nos flancos do deserto, nunca conseguimos ter forças numericamente iguais para enfrentar o inimigo. Consequentemente, tivemos de depender da superioridade em número e qualidade dos tanques e aviões britânicos americanos.

Ajudados pelos americanos, pela primeira vez enfrentamos o inimigo com armas iguais. Pela primeira vez fizemos o bárbaro sentir a ponta aguda daqueles instrumentos que escravizaram a Europa. As Forças Armadas do inimigo em Cirenaica chegavam a cerca de 150 mil, dos quais um terço, aproximadamente, eram de alemães. O general Auchinleck planejou destruir totalmente aquelas Forças Armadas. Tenho razões para acreditar que seu objetivo será plenamente atingido.

Estou contente de mostrar a vocês, membros do Senado e da Câmara dos Representantes, neste momento em que vocês estão entrando na guerra, provas de que, com a organização correta e as armas corretas, somos capazes de acabar com a vida dos selvagens nazistas. O que Hitler está sofrendo na lábia é apenas uma amostra e um daquilo que devemos dar a ele e a seus cúmplices, onde quer que esta guerra nos leve, em qualquer lugar do globo.

Há boas novidades também vindo do mar. A linha de suprimentos que junta nossas duas nações pelo oceano, sem a qual tudo pode falhar, está fluindo contínua e livremente, a despeito de que o inimigo possa fazer. É um fato que o Império Britânico que muitos pensaram estar quebrado e arruinado há 18 meses está agora incomparavelmente mais forte e fica ainda mais forte a cada mês. Por último, se vocês me permitirem dizer isso, para mim a melhor notícia de todas é de que os Estados Unidos, unidos como nunca estiveram antes, sacaram a espada pela liberdade e jogaram fora a bainha. [...]

Todos estes fatos extraordinários levaram os povos subjugados da Europa a erguer a cabeça de novo com esperança. Deixaram de lado para sempre a vergonhosa tentação de se resignar à vontade do conquistador. A esperança voltou aos corações de milhões de homens e mulheres e lá, com esta esperança, arde uma chama de raiva contra o invasor brutal e corrupto e queima ainda mais ferozmente o fogo de ódio e de desprezo pela esquálidos colaboradores a quem o invasor subornou. Numa dúzia de conhecidos Estados antigos, agora prostrados sob a opressão nazista, as massas de todas as classes e credos esperam a hora da libertação, quando serão capazes novamente de desempenhar suas funções e seguir em frente como homens. A hora irá soar e o barulho solene irá proclamar que a noite é passado e a aurora chegou.

O ataque sobre nós, planejado pelo Japão há tanto tempo e de forma tão secreta, trouxe aos nossos países problemas graves para os quais não podíamos estar bem preparados. Se as pessoas me perguntarem como têm o direito de me perguntar na Inglaterra - por que é que você não enviou equipamentos com aeronaves modernas e armas de todos os tipos à Malásia e às Índias Orientais, só posso apontar para as vitórias que o general Auchinleck teve na campanha da Líbia. Se tivéssemos desviado e dispersado os nossos recursos que aumentam de forma gradual - entre a Líbia e a Malásia iríamos nos descobrir em falta em ambos os cenários.

Se os Estados Unidos ficaram em desvantagem em vários pontos do Oceano Pacífico , sabemos bem que foi por causa da ajuda que vocês vem nos dando em munições para a defesa das ilhas britânicas e para a campanha da Líbia e, acima de tudo, por causa da sua ajuda na Batalha do Atlântico, da qual tudo depende e tem sido mantida com sucesso e prosperidade. É claro que teria sido muito melhor, tenho de admitir se tivéssemos recursos sub clientes de todos os tipos para estarmos funcionando a plena carga em todos os pontos ameaçados. Porém, considerando como fomos levados de forma lenta e relutante aos preparativos em grande escala e quanto tempo levam estes preparativos, não tínhamos o direito de ambicionar uma posição tão afortunada.

A escolha a respeito de como dispor de nossos recursos limitados teve de ser feita pela Inglaterra em tempos de guerra e pelos Estados Unidos em tempos de paz. Acredito que a história vai dizer que como um todo- e é como um todo que estes assuntos devem ser julgados a escolha certa foi feita. Agora que estamos juntos, que estamos ligados num correto companheirismo bélico, agora que nossas duas importantes nações, cada uma em sua unidade perfeita, juntaram todas as suas energias e vida numa determinação comum, um novo cenário se abre acima do qual uma luz continua irá brilhar.

Muitas pessoas ficaram espantadas que o Japão tenha, num único dia, mergulhado em uma guerra contra os Estados Unidos e o Império Britânico. Nós todos ficamos querendo saber porque, se este desígnio sombrio com todos os preparativos laboriosos e intrincados estava há tanto tempo ocupando as suas mentes secretas, eles não escolheram nosso momento de fraqueza, há 18 meses. Olhando sem emoção a despeito das perdas que sofremos e dos problemas adicionais que teremos de enfrentar, isso parece ser um ato irracional, mas é claro que é no mínimo prudente imaginar que eles fizeram cálculos cuidadosos e pensar que eles sabem onde estão indo.

Mesmo assim, pode haver outra explicação. Sabemos que há muitos anos a política do Japão tem sido dominada por sociedades secretas de oficiais e juniores do Exército e da Marinha, os quais têm imposto a sua vontade sobre sucessivos Gabinetes e Parlamentos japoneses, pelo assassinato de qualquer estadista japonês que se oponha ou que não siga de modo suficiente esta política agressiva. Por ser que estas sociedades, deslumbradas e atordoadas com seus próprios planos de agressão e com a perspectiva de vitórias precoces, tenham forçado o país a esta guerra, em vez de fazerem um melhor julgamento sobre isso. Eles certamente embarcaram numa tarefa considerável. Afinal. depois dos ultrajes que cometeram contra nós em Pearl Harbour, nas ilhas do Pacifico, nas Filipinas, na Malásia e nas índias Orientais Holandesas, elas agora devem saber que os riscos pelo qual decidiram jogar são mortais.

Quando consideramos os recursos dos Estados Unidos e do Império Britânico comparados aos do Japão, quando nos lembramos da China - que tem suportado a invasão por tanto tempo e de forma valente e quando também a ameaça russa pendente sobre o Japão, torna-se ainda mais difícil conciliar a ação japonesa com a prudência ou mesmo a sanidade. Que tipo de povo eles pensam que são? Será possível que não tenham percebido que nunca mais cessaremos de perseverar contra eles, até que recebam uma lição que eles e o mundo nunca mais esquecerão?

Membros do Senado e da Câmara dos Representantes: deixo por um momento as desordens e as convulsões do presente e me volto à base mais ampla do futuro. Aqui estamos juntos enfrentando um grupo de poderosos inimigos que buscam a nossa ruína; aqui estamos juntos defendendo tudo aquilo que é caro aos homens livres. Por duas vezes numa única geração, a catástrofe da guerra mundial caiu sobre nós; por duas vezes, no nosso tempo de vida, o braço longo do destino atingiu o outro lado do oceano, para trazer os Estados Unidos à vanguarda da batalha. Se tivéssemos ficado juntos após a última guerra, se tivéssemos tomado medidas comuns à nossa segurança, a renovação da maldição não precisaria nunca mais ter caído sobre nós.

Será que não devemos a nós mesmos, a nossas crianças, à humanidade atormentada, que estas catástrofes não irão nos engolir pela terceira vez? Já tinha sido provado que moléstias podem surgir no Velho Mundo e carregar estragos destrutivos ao Novo Mundo que, uma vez que as moléstias estão em marcha, não se pode escapar de modo algum. O dever e a prudência do mesmo modo determinam, em primeiro lugar, que os centros germinadores do ódio e da vingança devem ser constantemente vistoriados e tratados na hora certa e, em segundo lugar, que uma organização adequada deve ser montada para se ter certeza de que a moléstia possa vir a ser controlada nos momentos iniciais, antes que se espalhe e comece a devastar a Terra.

Há cinco ou seis anos teria sido fácil para os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, sem derramar uma gota de sangue, insistir no cumprimento das cláusulas de desarmamento dos tratados que a Alemanha assinou depois da Primeira Guerra. Esta também teria sido a oportunidade para assegurar à Alemanha aqueles subsídios que declaramos na Carta do Atlântico e que não devem ser negados a nenhuma nação, vitoriosa ou derrotada.

Esta oportunidade passou. Foi-se. Golpes prodigiosos de martelo foram necessários para nos unir novamente ou, se vocês me permitem usar outra linguagem, direi que deve ter a alma cega quem não vê que grandes propósitos e desígnios estão sendo definidos, dos quais temos a honra de sermos fiéis servidores. Não é dado a nós o poder de adivinhar os mistérios do futuro.

Ainda assim, sustento a minha esperança e fé, certa e inviolável de que, nos dias que estão por vir, os povos britânicos e americanos irão, para a sua própria segurança e para o bem de todos, andar juntos lado a lado, com majestade, na justiça e na paz.

Texto extraído do livro: 'Churchill e a ciência por trás dos discursos' - de Ricardo Sondermann

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